O peso da proteção: o dia a dia ao volante de um carro com 230 quilos de blindagem

RIO – As portas são mais pesadas, mas fecham com suavidade. Para falar com o mundo exterior, apertamos um botão sob o console e ligamos o pequeno microfone localizado na coluna dianteira – que também aciona alto-falantes externos e internos, e assim ouvimos o que se passa do lado de fora. Estamos em um carro blindado, o Honda Civic LXS 2010 cedido pela Safe Guard. É um teste diferente, no qual o modelo do automóvel é o que menos importa.

Blindados são parte do cenário das grandes cidades. Em 2010, mais de 7 mil carros receberam proteção especial no Brasil. Mas andar em um automóvel com alterações tão extensas requer adaptação.

O Civic recebeu blindagem nível III-A, a proteção máxima permitida pelo Exército, mediante uma extensa lista de documentos e certidões. No primeiro dia, estranhamos um pouco. Com 230 quilos extras concentrados principalmente na área dos vidros, o Honda parece outro carro. As reações ao volante são mais lentas, anestesiadas. As freagens ficam prejudicadas e, nas curvas, o automóvel tende a sair de frente.

Mas logo nos acostumamos, e dirigimos sem levar sustos. Era como se o carro estivesse com quatro ocupantes. O câmbio automático de cinco marchas trabalhava freneticamente para manter o ritmo, e o Civic sofria um pouco em subidas mais íngremes.

Não há grandes mudanças mecânicas, apenas a troca das molas traseiras por um conjunto mais firme. Já a colocação da blindagem dá um trabalho e tanto. As portas são alargadas para receber placas de aramida (tecido sintético de altíssima resistência) e vidros com até 21mm de espessura, compostos pelo sanduíche que inclui uma camada de policarbonato. Partes de aço moldado com 3mm de espessura são utilizadas em larga escala.
A aramida usada no Civic é composta por nove camadas sobrepostas e entremeadas por neoprene, material usado em roupas de mergulho. O objetivo é evitar o acúmulo de água, que pode estragar as fibras do tecido. Os vidros fornecidos pela empresa AGP têm boa transparência e não observamos distorções. Pelas janelas, o mundo fica ligeiramente esverdeado. E silencioso. A blindagem aumenta o isolamento acústico, e mesmo os pingos de chuva grossa não perturbam a paz interior.

Transformar o Civic em bolhade segurança custou R$ 44 mil

Todo o carro é desmontado para a colocação da blindagem. As janelas ganham molduras de aço pintadas de preto, para não interferir no visual. Como acontece na maioria dos blindados, só as janelas dianteiras do Honda se abrem, e pela metade. Um pequeno amortecedor instalado dentro da porta ajuda no trabalho de subida do vidro – demora mais para abrir do que para fechar.

A montagem do Civic após a instalação da blindagem foi impecável e o carro não apresentou falhas de acabamento ou ruídos nos quatro dias de avaliação (percorremos 214 quilômetros). Mas, com o tempo, é provável que surjam barulhos.

– Como a blindagem aumenta o isolamento acústico, qualquer barulho se torna mais perceptível. E o uso cotidiano, com passagem por buracos, pode gerar ruídos. Afinal, o carro passa por uma grande mudança – explica Philippe Balbi, sócio da Safe Guard.

Há oito anos no mercado, a empresa faz, em média, 15 blindagens por mês. É um trabalho longo: demora de 20 a 30 dias, boa parte esperando a chegada dos vidros feitos sob medida para cada modelo.

‘Armadura’ não valoriza o carro usado

A blindagem do Civic custou R$ 44 mil e incluiu pneus flat over, que trazem um aro de borracha sobre a roda que permite rodar a cerca de 60km/h com o pneu vazio, sem maiores danos. A proteção mais comum é composta por cintas de aço, que evitam que o pneu se desprenda da roda, mas rapidamente destroem o conjunto.

O retorno do investimento está na segurança – não se deve esperar pela valorização do carro. Com o passar dos anos, um blindado valerá o mesmo, ou até menos, que um modelo sem “armadura”. Isso acontece pelo desgaste maior e pelos valores de manutenção.

Enquanto está na garantia (geralmente de três anos), um blindado não apresenta despesas muito maiores que as de um carro convencional – a não ser pelo consumo de combustível, que aumenta devido ao peso. Porém, quando é preciso pagar para resolver um problema, é bom estar preparado.

Trocar um para-brisa blindado custa cerca de R$ 4.500. Além do custo da peça, são precisos dois funcionários e horas de mão de obra para retirar o vidro defeituoso. Uma janela lateral sai por R$ 2.600.

O maior problema que afeta os vidros é a delaminação, que ocorre quando a camada de policarbonato se descola, causando distorções e até manchas que atrapalham a visibilidade. É possível resolver o problema sem trocar a peça – custa entre R$ 850 e R$ 1 mil. Contudo, trata-se de uma solução paliativa, que raramente dura mais de oito meses.

Sensação de segurança muda os hábitos
O cliente tradicional de blindados sabe desses gastos com manutenção. Por isso, costuma trocar de carro sempre que a garantia chega ao fim. E quem compra um dificilmente voltará a guiar veículos sem este tipo de proteção.

– Há casos de clientes que têm três carros na casa e escolhem um para blindar. Com o tempo, todos da família só querem usar aquele veículo, e depois o proprietário acaba por fazer o mesmo serviço nos outros – diz Philippe.

Episódios de violência fazem aumentar a procura. Em 2007, no mês seguinte à morte do menino João Hélio, a procura por blindados dobrou no Rio de Janeiro. No final de novembro, quando houve os ataques dos traficantes que precederam a ocupação da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, os pedidos também aumentaram. E todos querem carros para pronta-entrega, o que nem deveria existir – a blindagem só pode ser feita após o Exército conceder a autorização ao comprador.

A blindagem nível III-A tem que suportar cinco tiros de um revólver Magnum 44 concentrados em uma área equivalente à de um triângulo com vértices de 15 centímetros. Suporta também disparos de pistolas .40 e 9mm. Mas para resistir a tiros de fuzil, só mesmo um Caveirão.

O mercado de blindagem movimenta grandes cifras e já tem uma rede bem estabelecida de serviços no Brasil, seja de venda, manutenção ou aluguel de veículos. Empresas do setor fazem parcerias com redes concessionárias – a Associação Brasileira dos Distribuidores Toyota acaba de fechar um acordo com a Protection Blindagens, por exemplo. O Corolla, aliás, é o carro mais blindado do mercado nacional.

O público é variado. Há executivos que recebem sedãs da empresa; famílias que buscam proteção para os filhos e blindam compactos; empresários cujos estabelecimentos ficam em locais de risco; e gente que apenas tem medo.

Aumentar pressão dos pneus melhora dirigibilidade

Mas é preciso saber que a blindagem causa alterações no comportamento no carro, o que exige algumas mudanças. Uma destas é aumentar a pressão dos pneus para melhorar a dirigibilidade (pode-se usar a calibragem para carga) – afinal, sempre há quilos extras sendo permanentemente carregados.

É bom saber qual é a capacidade máxima de carga suportada pelo veículo para evitar problemas. É como colocar uma cerca eletrificada ao redor de casa: vai aumentar a segurança, mas não ficará bonito.

Fonte: Extra – Globo

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